Os hypomnemata e a memória material: as agendas pessoais de Joaquim Paço d’Arcos

Autores

  • Helder da Rocha Machado Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social, Universidade Lusíada de Lisboa
  • Paulo Amaral Soares Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social, Universidade Lusíada de Lisboa

Palavras-chave:

Paço d’Arcos, Joaquim, 1909-1979 - Arquivos, 1909-1979 - Manuscritos, 1909-1979 - Correspondência, Arquivos Pessoais - Portugal - Lisboa, Arquivos - Processamento - Portugal – Lisboa

Resumo

Os arquivos pessoais constituem, hoje em dia, uma das fontes primordiais para o estudo da história. Segundo Georges Perec “existem poucos acontecimentos que não deixam ao menos um vestígio escrito. Quase tudo, em algum momento, passa por um pedaço de papel, uma folha de bloco, uma página de agenda, ou não importa que outro suporte ocasional sobre o qual vem se inscrever, numa velocidade variável e segundo técnicas diferentes, de acordo com o lugar, a hora, o humor, um dos diversos elementos que compõem a vida de todo o dia” (1974).

A prática de arquivar o “eu” constitui, sem dúvida, uma intenção autobiográfica. Escrever um diário, agendar o dia-a-dia, guardar a correspondência e outros papéis particulares, são práticas que refletem, nas palavras de Foucault, a preocupação do “eu”. Arquivar a própria vida pressupõe certamente espelhar na sociedade as várias facetas do “eu”.

Os arquivos pessoais, como tipologia, contribuem para a preservação da memória e para a compreensão das sociedades modernas. Assim, podemos referir que estes arquivos interessam:

  1. Como fontes primárias de investigação, pois reúnem uma série de documentos dotados de uma memória singular. A sua construção reflete um tempo, mais breve que a maioria dos outros arquivos. Por outro lado, as tipologias documentais são geralmente mais ricas e variadas: podem conter obras resultantes de criação artística, documentação gráfica, documentação científica, documentação musical, etc. (documentos textuais, iconográficos, sonoros, audiovisuais e digitais). A inter-relação promovida entre os vários tipos de documentos torna-os, sem dúvida, mais ricos. Os arquivos pessoais, como núcleos de conhecimento, podem possuir mais informação do que aquela que na realidade contêm. Exemplo disso é o manuscrito de uma edição censurada.
    O perfil documental dos arquivos pessoais complementa-se, cada vez mais, com a anexação de registos de outras tipologias, como são exemplo os registos sonoro e vídeo do seu titular. A soma de todas estas tipologias levará à verdadeira dimensão do arquivo pessoal. Há também a considerar que, se a escrita muitas vezes não é neutra, a organização de um arquivo pessoal terá de sê-lo, garantindo um tratamento adequado e isento com base nos princípios arquivísticos.
  2. Como soma da criação e da biografia. Por vezes, os arquivos pessoais substituem ou complementam memórias não escritas ou podem conter informações importantes sobre o conhecimento e a perceção que uma pessoa tem de si mesma. É indubitável a implicação existente entre os processos criativos e o desenvolvimento pessoal do titular do arquivo. Este pode evidenciar uma experiência pessoal, uma crise, uma transformação e interesses contraditórios.
  3. Como fonte de informação, pois estabelecem um vínculo entre a memória histórica e a sociedade do conhecimento. Esta fonte de informação materializa-se através dos produtos elaborados: instrumentos de descrição documental, sítio web, etc.

A valorização económica dos arquivos pessoais, depende, na opinião de Dexeus (2001, p. 13-34), de três aspetos:

  1. Do seu conteúdo: o verdadeiro valor está no seu conjunto, na unidade de toda a documentação;
  2. Da sua integridade: a existência de uma sequência seriada de todos os documentos;
  3. Do seu volume: a reunião da totalidade de documentos produzidos pelo titular do arquivo num único fundo.

No entanto, La Torre (2006, p. 175-176) acrescenta aos aspetos anteriores mais cinco elementos:

  1. A antiguidade: os documentos mais antigos têm um valor económico maior;
  2. A importância e o papel desenvolvido pelo produtor do arquivo na sociedade;
  3. A extensão da documentação: saber se os documentos existentes no arquivo pessoal englobam a totalidade da vida do seu produtor - pessoal e profissional;
  4. A existência de documentação duplicada noutros arquivos. Neste caso, o valor do documento isolado deve diminuir substancialmente, a não ser que se conclua que um deles é o original.
  5. O valor que o arquivo pessoal ou o documento avulso tem para documentar determinados acontecimentos históricos, culturais ou artísticos de relevo.

Esta comunicação que tem por base o desenvolvimento de uma dissertação de mestrado em Ciências da Documentação e Informação, possui como objeto de estudo o processo de organização, tratamento e disponibilização do Espólio Joaquim Paço d’Arcos que visa, genericamente, dar visibilidade à vida e obra de Joaquim Belford Corrêa da Silva (Lisboa, 14 de Junho de 1908 - Lisboa, 10 de Junho de 1979), conhecido pelo pseudónimo Joaquim Paço d'Arcos.

Figura proeminente do século XX, Joaquim Paço d’Arcos foi ficcionista, dramaturgo, poeta e crítico; desempenhou, ainda, o cargo de chefe dos serviços de imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros; dirigiu a Trans-Zambezia Railway; e presidiu à Sociedade Portuguesa de Escritores. Galardoado com vários prémios literários, o escritor foi caracterizado na sua escrita pela objetividade, tendo sido um dos escritores portugueses do século XX mais traduzido no estrangeiro. O conjunto de obras intitulado Crónica da vida lisboeta foi considerado, por muitos críticos portugueses e brasileiros, como uma grande referência da literatura portuguesa.

O Espólio possui grande parte dos textos autógrafos do escritor, manuscritos, fotografias, correspondência recebida, documentos biográficos e familiares, recortes de imprensa nacionais e estrangeiros sobre a sua produção literária, fotocópias e recortes sobre assuntos profissionais e documentos relativos às instituições a que pertenceu. Considerando que os documentos acumulados ao longo da vida de uma pessoa têm valor arquivístico, torna-se necessário submetê-los às regras e normas estabelecidas e enfrentar as dificuldades e os problemas que a tarefa impõe. Encontra-se, também, no Espólio parte da sua biblioteca pessoal onde se destacam obras sobre literatura, linguística, economia e história.

Um espólio, após o seu depósito, adquire algumas garantias, tais como: a custódia por parte da instituição que recebe e que deverá mantê-lo salvaguardado; a prevenção contra as causas de fragmentação e dispersão; a conservação que permita aumentar a sua longevidade. Assim, a ação de depósito do Espólio Joaquim Paço d’Arcos, por parte da família, na Fundação Minerva (entidade instituidora e gestora das Universidades Lusíada) representa, de forma inequívoca, o controlo da documentação e o acesso a ela, atribuindo-lhe, assim, o estatuto de fonte histórica.

O estudo deste Espólio originou uma reflexão teórica e crítica sobre os seguintes aspetos: metodologias a adotar na organização dos arquivos pessoais; análise da tipologia documental existente no Espólio e a adoção de recursos técnicos e metodológicos capazes de atingir meios de recuperação da informação. Pretende-se, assim, com a organização do Espólio Joaquim Paço d’Arcos contribuir para o estudo e investigação de uma das figuras mais relevantes da cultura portuguesa do século XX.

Biografias Autor

Helder da Rocha Machado, Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social, Universidade Lusíada de Lisboa

Helder da Rocha Machado é Director dos Serviços de Informação, Documentação e Internet da Universidade Lusíada de Lisboa, e Coordenador nacional da Rede Portuguesa de Centros de Documentação Europeia. É, também, responsável pelo desenvolvimento de projectos nas áreas das tecnologias da informação e comunicação, como são exemplo os portais “Arquitectura do Saber” e “O Europeu”.

Possui a licenciatura em História (ramos científico e educacional) e a pós‐graduação em Ciências da Documentação e Informação, áreas de biblioteconomia e arquivística, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Actualmente é aluno do programa doutoral em Arquivística Histórica, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Para além da sua actividade como bibliotecário e arquivista, tem desempenhado funções regulares como docente em cursos de ensino superior, como formador nas áreas da ciência da informação e da Internet, como orientador de estágios nos mestrados em Ciências da Informação e da Documentação e como consultor em diversas instituições. Foi membro do Conselho Editorial da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas.

Paulo Amaral Soares, Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social, Universidade Lusíada de Lisboa

Paulo Amaral Soares é Coordenador dos Serviços Técnicos do Arquivo, do Centro de Documentação Europeia e da Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa. Colabora, também, no desenvolvimento de projectos nas áreas das tecnologias da informação e comunicação, como são exemplo os portais “Arquitectura do Saber” e “O Europeu”.

Possui a licenciatura em Ciências da Comunicação (ramo investigação e cultura) e o mestrado em Ciências da Informação e Documentação (área de biblioteconomia) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

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Publicado

2015-10-21

Edição

Secção

Comunicações: IV – Promoção, integração e cidadania